Ana Júlia da Silva Mello
Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ). Este trabalho está baseado na monografia intitulada “Uma análise da Global Mobility no Brasil a partir da implementação da Lei 13.445/2017”, defendida em 2023 e orientada pela Profa. Dra. Maria del Carmen Villarreal Villamar.
Este artigo analisa a Global Mobility no Brasil após a implementação da Lei 13.445/2017, explorando seu impacto na trajetória ocupacional de trabalhadores inseridos no mercado de trabalho nacional e refletindo acerca da necessidade de suporte especializado àqueles que integram a área.
Palavras-chave: Global Mobility, Migração, Globalização, Brasil.
Ao falarmos sobre a mobilidade humana, automaticamente nos referimos à capacidade do ser humano de se deslocar de um lugar para o outro (FILHO, 2015). Logo, Global Mobility (GM) ou Mobilidade Global é o termo responsável por designar o conjunto de atividades de assessoria relacionadas à movimentação de pessoas mundialmente. Seu conceito está diretamente ligado à internacionalização da economia e à globalização, envolvendo, assim, inúmeras formas de intercâmbio entre países (FUKS e LIMA, 2022).
De modo geral, as discussões acerca da política migratória internacional possuem como tópico central o controle de fronteiras, fundamentadas no poderio estatal (BASTOS e MAGESTE, 2018). Um problema-chave dessa temática consiste na tendência de desvincular a migração das relações sociais; sendo que, na verdade, a migração faz parte do processo de transformação e desenvolvimento das estruturas e instituições advindas de grandes mudanças nos elos econômicos, políticos e sociais (CASTLES, 2010).
As rápidas mudanças ocasionadas pela globalização impactam diretamente nos movimentos migratórios; as mesmas contribuem com o aumento do fluxo de informações acerca de oportunidades e padrões de vida em países industrializados, fazendo com que o desejo de migrar para diferentes nações aumente (MARTINE, 2005). A migração pode ser entendida como uma ação inerente à própria humanidade que consiste no deslocamento entre as fronteiras territoriais; sendo o expatriado aquele que reside, temporariamente ou não, em um país estrangeiro (FUKS e LIMA, 2022).
No entanto, o conceito de migração é volátil, isto é, pode ser reinterpretado de acordo com a área no qual se insere; isso ocorre pois no mundo contemporâneo a liberdade de circulação internacional de pessoas, considerada como uma das principais características da globalização, é exercida de forma assimétrica (VENTURA, 2015).
No Brasil, o setor de Global Mobility tornou-se foco de pesquisas a partir da década de 1970 com análises acerca da adaptação e eficácia dos expatriados, visando compreender as razões pelas quais colaboradores são movimentados pelo mundo (MARGARIDO, 2020). Apesar de ser tradicionalmente um país de imigração, foi apenas em agosto de 1980 que a Lei de n° 6.815, mais conhecida como Estatuto do Estrangeiro, foi instituída no país; cujo legado é indispensável para a análise dos anos posteriores à sua criação. Desde sua implementação no decorrer do regime militar, o Brasil aderiu a inúmeras reformas visando a proteção e garantia dos direitos dos migrantes resultantes de um consenso acerca da atualização da legislação migratória (VILLAMAR, 2019).
Assim, a Lei 13.445/17 surge como um marco histórico através de uma série de estudos desenvolvidos em conjunto com a sociedade civil, empresas e organizações internacionais em prol da reconstrução do histórico deixado pela antiga legislação marcada pela restrição de direitos políticos e de liberdade de expressão dos migrantes (BRASIL, 2020). Diferente do Estatuto do Estrangeiro, a Lei de Migração é contemplada pelos Direitos Humanos; além de ampliar, facilitar e agilizar a concessão de vistos, garantindo maiores oportunidades ao expatriado. A adoção de uma perspectiva centrada nos direitos humanos resultou em progressos significativos na garantia dos direitos dos migrantes.
Apesar dos avanços obtidos ao longo do tempo, ainda há melhorias a fazer. O que falta para o Estado é compreender a migração como uma etapa intrínseca do desenvolvimento humano, na qual há um aproveitamento das oportunidades advindas de fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais nos possíveis territórios de destino (CASTLES, 2010). O deslocamento populacional acontece não só internacionalmente como também dentro de seus próprios territórios; assim, à medida em que o mundo se globaliza, as categorias de migrantes tornam-se mais flexíveis e, simultaneamente, regionalizados, fazendo com que o desenvolvimento consequentemente impulsione as migrações (WENDEN, 2016).
Com a globalização e o desenvolvimento tecnológico, algumas pessoas foram permitidas a trabalhar no tempo e nos lugares de suas próprias escolhas, transcendendo os limites geográficos, culturais e temporais e, consequentemente, contribuindo para a interculturalidade das organizações (HOMEM e DELLAGNELO, 2006). Assim, as novas práticas advindas do processo de globalização são ricas em oportunidades benéficas para as organizações, criando formas organizacionais cada vez mais eficazes (HUBER e GLICK, 1993).
A internacionalização de empresas ocasionou na necessidade de inovação dos setores empresariais, dentre eles a área de Recursos Humanos (RH), que deve ser capaz de gerenciar as demandas de modo que possa garantir que a empresa possua uma coerência internacional e econômica ao coordenar seus trabalhadores independentemente de sua localidade. Assim, as organizações necessitam de suporte e direcionamento para o desenvolvimento de suas políticas e práticas; além de profissionais qualificados e preparados para trabalhar no ramo de Global Mobility (DOMINGUES, 2011).
Ao longo dos anos, foi possível observar uma forte mudança na característica migratória brasileira, na qual o país deixou de ser predominantemente receptivo e passou a ser caracterizado como uma nação de emigração, isto é, aquela em que um elevado número de pessoas deixa seu país de origem em busca de melhores oportunidades em outras nações (BRASIL, 2020). Várias constituições brasileiras fizeram menções à questão da imigração, como por exemplo a de 1934, que restringiu a entrada de imigrantes visando a garantia de emprego aos brasileiros. Contudo, foi apenas no ano de 1980 que uma legislação especificamente voltada para a questão migratória foi instituída e regulamentada.
A nova legislação foi recebida como um avanço significativo a favor do tratamento humanitário e menos burocrático do estrangeiro; buscando não apenas impulsionar a mão de obra e intelecto qualificado, como também facilitar a estadia do imigrante e possibilitar a solicitação da cidadania brasileira. Apesar de haver algumas semelhanças com a legislação anterior, a Lei 13.445 vai além de abordagens unilaterais e reflete uma visão mais humanitária e diversificada da relação proveniente da migração e do desenvolvimento.
A Global Mobility no Brasil está em ascensão e, portanto, as diferentes políticas migratórias brasileiras são moldadas não apenas pelas perspectivas idealizadas acerca do desenvolvimento e da migração, como também pelas mudanças nas conexões entre elas. Para analisá-la se faz necessário compreender o processo complexo existente por trás dessa prática, como cuidar dos trâmites internos da empresa, a burocracia do país de destino e questões fiscais, trabalhistas e migratórias. Portanto, a Mobilidade Global tende a se antecipar a respeito dos possíveis problemas que possam surgir durante o processo de expatriação, logo, as atividades de assessoria a essa área incluem desde pensar estrategicamente acerca da transferência de colaboradores até a gestão de todas as etapas desse processo de modo que o mesmo seja realizado com sucesso (FUKS e LIMA, 2022).
Ao lidar com a temática de Global Mobility no Brasil, é preciso compreender como essa área funciona na prática, quais os impasses e dificuldades existentes no cotidiano daqueles que se ocupam diariamente com a execução dos processos necessários para uma expatriação de sucesso. Os profissionais da área são responsáveis por prestar todo o suporte necessário para a mudança e permanência dos indivíduos deslocados de seus países, os expatriados (FUKS e LIMA, 2022).
Quando falamos sobre a evolução da Mobilidade Global brasileira, automaticamente devemos relacioná-la às mudanças econômicas do país e às próprias transformações do capitalismo mundial (FUKS e LIMA, 2022). Os profissionais da área reconhecem as necessidades de uma melhor preparação do setor para se adaptar às transformações no mundo corporativo, principalmente perante o aumento do índice da modalidade de trabalho remoto (MOBILITY BRASIL, 2023).
É notório que as políticas voltadas à mobilidade global no país ainda estão sendo desenvolvidas e estruturadas de acordo com o surgimento de novas necessidades e demandas; o que, de certo modo, permite uma busca mais detalhada às particularidades de cada processo de expatriação, resultando em uma melhor adaptabilidade às exigências. Assim, compreender as especificidades de cada setor e cada caso de Global Mobility é algo indispensável para identificar o que é preciso aprimorar na relação entre o Estado, a legislação e o indivíduo.
A movimentação de pessoas entre as nações pode ser considerada uma forma significativa e enriquecedora de evolução, uma vez que as diferenças existentes entre as inúmeras regiões ao redor do mundo possuem uma influência direta nas externalidades de conhecimento e experiências. A Lei 13.445/2017 foi responsável não apenas por implementar novas práticas e abordar novas questões relacionadas à Global Mobility como também por dar maior visibilidade e abrangência ao tema, além de consolidar a ideia de que a migração é a face humana da globalização e, portanto, pode ser classificada como um vetor econômico-social para o país.
BASTOS, Fabrício H. Chagas; MAGESTE, Leticia. Migração internacional qualificada e política migratória no Brasil (2000-2017). Conjuntura Austral, v. 9, n. 48, p. 72-97, 2018.
BRASIL, D. R. Uma leitura do contexto histórico das políticas migratórias brasileiras e das disposições preliminares da nova lei de migração. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, v. 30, p. 59-78. 2020.
DE WENDEN, Catherine Wihtol. As novas migrações. Revista Sur, 2016.
DOMINGUES, Carlos Roberto. Políticas de carreiras para o gestor internacional: um estudo em empresas brasileiras internacionalizadas. 2011. Tese de Doutorado.
FRANCO FILHO, Georgenor Souza. Mobilidade humana e futuro do trabalho: efeitos da globalização. Revista Direito UFMS, v. 1, n. 1, 2015.
FUKS, Andréa; LIMA, Daniela. Global Mobility no Brasil: Nossa contribuição para a história da atividade no país. Worldwide ERC. 2022.
CASTLES, Stephen. Entendendo a migração global: uma perspectiva desde a transformação social. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, v. 18, n. 35, 2010.
HOMEM, Ivana Dolejal; DELLAGNELO, Eloise Helena Livramento. Novas formas organizacionais e os desafios para os expatriados. RAE eletrônica, v. 5, 2006.
HUBER, George P.; GLICK, William H. (Ed.). Organizational change and redesign: Ideas and insights for improving performance. Oxford University Press, USA, 1993.
MARGARIDO, Danyel André. Mas afinal, o que é Global Mobility?. Migra Mundo. 2020. Disponível em: https://migramundo.com/mas-afinal-o-que-e-global-mobility/. Acesso em: 17 de ago. 2023.
MARTINE, George. A globalização inacabada: migrações internacionais e pobreza no século 21. São Paulo em perspectiva, v. 19, p. 3-22, 2005.
PESQUISA MOBILITY BRASIL. Global Line. Disponível em: https://www.gline.com.br/download-pdf-pmb. Acesso em: 17 de ago. 2023
VENTURA, Deisy. Mobilidade humana e saúde global. Revista USP, n. 107, p. 55-64, 2015.
VILLARREAL VILLAMAR, María del Carmen. Considerações sobre migrações e política externa. Boletim NEAAPE, v. 3, n. 3, p. 26-35, 2019.