Vinícius Menezes Aguiar
Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro (UFFRJ). O TCC utilizado como base para elaboração deste artigo se intitula “O Impacto do Bolsonarismo na Política Externa Brasileira: O Brasil idealizado pelo governo Bolsonaro”, foi orientado pela Profª. Drª. Maria del Carmen Villarreal Villamar e defendido em 2023.
Neste breve artigo apresentaremos os pilares da política externa bolsonarista e vamos salientar e analisar o núcleo ideológico político pautado na defesa de valores conservadores, assim como seus efeitos sobre a política externa. Outrossim, iremos desenvolver como o fenômeno do bolsonarismo possui influência na National Role Conception (NRC) e na identidade do Brasil no Sistema Internacional (SI), sobretudo devido ao ceticismo nas instituições pautadas no multilateralismo internacional e regional.
Palavras-chave: Role Theory, Política Externa, Governo Bolsonaro, Brasil.
No ano de 2019 iniciou-se o governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, sobre a égide das ideias neoliberais e um alinhamento com os princípios inerentes às novas extremas direitas século XXI. Atualmente, a ascensão de líderes populistas de extrema direita tornou-se um fenômeno no cenário internacional, entre eles podemos citar o Brasil, Estados Unidos, Hungria, Reino Unido e Turquia (GUIMARÃES; SILVA, 2021; WHENER, 2022). Entre os pilares da política externa bolsonarista vamos salientar e analisar o núcleo ideológico político pautado na defesa de valores conservadores. Outrossim, iremos desenvolver como o fenômeno do bolsonarismo possui influência na National Role Conception (NRC) e na identidade do Brasil no Sistema Internacional (SI), sobretudo devido ao ceticismo nas instituições pautadas no multilateralismo internacional e regional.
Partindo destas premissas, utilizarmo-nos de uma metodologia qualitativa, pautada na revisão bibliográfica e documental (GIL, 2008). Sendo assim será feita a revisão bibliográfica acerca de artigos, jornais e relatórios que sejam pertinentes ao trabalho, feita a partir da consulta online de bases de dados como Google Acadêmico, Scielo e Portal Capes. Em última instância, faremos a análise do discurso de posse do ex-Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, feito no dia 2 de janeiro de 2019. O discurso selecionado apresenta em seus trechos a consolidação efetiva da estrutura ideológica que fez parte do governo Bolsonaro. Portanto, representa um momento simbólico de discursividade de uma das principais figuras do movimento e a materialização da ideologia que conduziu a política externa brasileira durante o governo.
Temos como objetivo principal elucidar qual o papel exercido pelo Brasil no ambiente internacional durante o governo Bolsonaro e qual o Brasil idealizado pelo bolsonarismo, no período de 2019-2022. No intuito de chegar a essa conclusão torna-se necessário compreender qual a estrutura político-ideológica que legitima os discursos bolsonaristas.
O paradigma teórico Role Theory (RT) inicia-se a partir do início da década de 1930, ano em que o termo passa a ser comumente utilizado. O princípio básico do paradigma proposto pela corrente teórica seria de que os indivíduos teriam papéis diversificados em sua existência e que esses papéis exercidos por eles viriam com princípios que definiram como deveriam se comportar. Esse comportamento estaria intrinsecamente ligado à posição social do indivíduo. Outrossim, a teoria possui sua gênese nas áreas da psicologia social, antropologia e sociologia, e somente é assimilada no campo de pesquisa das Relações Internacionais (RI) a partir da década de 1970 (HARNISCH, 2011; BIDDLE, 1979).
A Role Theory introduz o termo de role (papel) como um elemento para a compreensão e explicação para as atitudes tomadas pelos Estados, que são tratados como agentes em um contexto social. O paradigma proposto debate a relação agente-estrutura em que os Estados (atores), apesar de estarem inseridos em uma estrutura social, não são determinados pela mesma, sendo assim, há uma relação co-constitutiva interativa entre os agentes (Estados) e a estrutura (Sistema Internacional). Denota-se que o conceito de papel, ao ser integrado às Relações Internacionais, refere-se ao comportamento e funções dos Estados dentro do Sistema Internacional (HOLSTI, 1970, p. 239-240). Outro ponto que deve ser destacado é a relação interativa dos atores, entre a noção que os Estados têm de si e as expectativas projetadas pelos outros agentes que estão presentes na estrutura, sendo assim, eles influenciam-se mutuamente através de suas interações. Apesar das similaridades com a teoria Construtivista, sobretudo ao abordar fatores imateriais para a análise do comportamento dos países e da relação co-constitutiva entre agente e estrutura, a diferença central entre a Role Theory e o Construtivismo se encontra na abordagem dos conceitos de papel e identidade (WHENER; THIES, p. 418, 2014).
Ao ser integrada ao campo das Relações Internacionais, a Role Theory possui como uma característica a interação com a Análise de Política Externa (APE) e com as Teorias de Política Internacional, como exposto anteriormente. A principal divergência entre as duas áreas, seria o fato de que a APE enfatiza a atuação dos Estados no plano internacional a partir das ações de seus governantes (Role Performance), em contrapartida, as Teorias de Política Internacional procuram analisar o comportamento estatal a partir do contexto do Sistema Internacional. Portanto, as duas perspectivas partem de unidades de análises distintas. Para Holsti (1970) as decisões e ações da política externa de determinada nação, são consequências diretas da national role conceptions dos policymakers, das demandas domésticas e dos acontecimentos ocorridos no Sistema Internacional.
Holsti (1970) seleciona alguns conceitos provenientes da Role Theory e os adapta para o campo das Relações Internacionais, entre esses conceitos estão: a Role Performance, as atitudes, decisões e ações implementadas pelo governo; a Ego’s role conception, a sua concepção de papel autodefinida; a Alter´s prescriptions, o papel definido pelas circunstâncias externas; e a Position, um sistema de papeis que define função, deveres, direitos e privilégios. Esses quatro conceitos serão de suma importância para a análise de política externa. Posteriormente, esses conceitos serão alterados resultando no seguinte quadro:
A partir do que foi exposto até agora, torna-se necessário interligar a teoria analítica da Role Theory ao contexto do governo Bolsonaro, que se estende de 2018 a 2022, evidenciando o discurso de Ernesto Araújo. O discurso será analisado para fornecer a materialidade discursiva da National Role Conception promovida pelo governo. O movimento bolsonarista rompe com a forte tradição diplomática da política externa brasileira que se identificava como uma potência pacífica, multilateral e líder regional, adotando seu discurso ideológico como parâmetro para a tomada de decisões (CASARÕES; LEAL, 2021). Guimarães e Silva (2021) dissertam que o Brasil desempenhou majoritariamente três papéis internacionalmente ao lidar com os demais governos, eles seriam: anti-globalista, nacionalista e anti-inimigo ou aliado.
Um discurso emblemático ocorreu na cerimônia de posse do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Tal discurso torna-se de extrema importância para compreendermos a Política Externa idealizada pelo governo Bolsonaro. Durante o início do seu discurso em 2 de janeiro de 2019, Araújo utiliza-se de um versículo muito utilizado durante os quatro anos do governo e que, segundo ele, refletia o cenário brasileiro da época “conhecereis a verdade e verdade vós libertará.” reiterando ainda a batalha travada por Bolsonaro durante as eleições para “devolver o Brasil para os brasileiros”. Chegando à conclusão de que o ex-presidente estaria libertando o Brasil através da verdade, reiterando que “O presidente Bolsonaro está libertando o Brasil, por meio da verdade. Nós vamos também libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty, como o presidente Bolsonaro prometeu que faríamos, em seu discurso de vitória”. No discurso notamos ainda a presença da perspectiva antiglobalista inerente ao perfil isolacionista adotado pelo governo, segundo Araújo “o Itamaraty existe para o Brasil e não para a ordem global”. Portanto, denota-se que o arcabouço ideológico presente no discurso rompe com a postura e os princípios que nortearam as ações diplomáticas brasileiras historicamente e alinha a Política Externa Brasileira (PEB) aos parâmetros morais encontrados na extrema direita internacional (HIRST; MACIEL, 2022). De acordo com Araújo:
“O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana, e contrários ao próprio nascimento humano. Nação, natureza e nascimento, todos provém da mesma raiz etimológica e isso se dá porque possuem entre si uma conexão profunda. Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam que os países não têm direito a guardar suas fronteiras, são os mesmos que propalam que um feto humano é um amontoado de células descartável, são os mesmos que dizem que a espécie humana é uma doença e que deveria desaparecer para salvar o planeta. Por isso a luta pela nação é a mesma luta pela família e a mesma luta pela vida, a mesma luta pela humanidade em sua dignidade infinita de criatura.” (Discurso de posse do Ministro da Relações Exteriores Ernesto Araújo, Ministério das Relações Exteriores, 2 de jan. de 2019).
ALVES, José. Eduardo Cunha, a Bancada BBB e a ideologia anti-neomalthusiana, 2015 Disponível em: Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais (ufjf.br). Acesso em: 22 de jun. de 2022.
ARAÚJO, Ernesto – Discurso de posse — Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG (www.gov.br). Acesso em: 11 de jul. de 2023.
BIDDLE, J. Bruce. Role Theory: Expectations. Identities and Behaviors. Academic Press, New York, 1979.
CASARÕES, Guilherme; LEAL, Déborah, (2021). Brazilian foreign policy under Jair Bolsonaro: Far-right populism and the rejection of the liberal international order. Cambridge Review of International Affairs, 35:5, 741-761.
GIL, Antônio Carlos. 1986. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed, São Paulo: Atlas, 2002.
GUIMARÃES, Feliciano; SILVA, Irma. Far-right populism and foreign policy identity: Jair Bolsonaro’s ultra-conservatism and the new politics of alignment. International Affairs, Volume 97, Issue 2, March 2021, Pages 345–363.
HARNISCH, S. Role Theory: Operationalization of Key Concepts, in Harnisch, S., C. Frank, and H. W. Maull (eds.). Role Theory in International Relations: Approaches and Analyses, London: Routledge, pp. 7–15, 2011.
HIRST, Monica; MACIEL, Tadeu. A Política Externa do Brasil nos tempos do governo Bolsonaro, 2022. Disponível em: BRAZIL’S FOREIGN POLICY IN THE TIME OF THE BOLSONARO GOVERNMENT | SciELO Preprints. Acesso em: 14 de jul. de 2023.
HOLSTI, K. J. National role conceptions in the study of foreign policy. International Studies Quarterly vol.14. No. 3, Sept. 1970, pp. 233–309.
WEHNER L. E. (2022). Stereotyped images and role dissonance in the foreign policy of right-wing populist leaders: Jair Bolsonaro and Donald Trump. Cooperation and Conflict, 0(0).
WHENER, Leslie; THIES, Cameron. Role Theory, Narratives, and Interpretation: The Domestic Contestation of Roles. International Studies Review, 2014, vol.16, pp. 411–436.
XAVIER, Kevin. O governo Bolsonaro (2019-2021) e seus impactos na política externa brasileira: uma análise à luz da teoria do populismo de Laclau, 2022. Disponível em: Repositório Institucional – Universidade Federal de Uberlândia: O governo Bolsonaro (2019-2021) e seus impactos na política externa brasileira: uma análise à luz da teoria do populismo de Laclau (ufu.br). Acesso em: 14 de jul. de 2023.