Um século de debates sobre a teoria marxista do imperialismo: como o bloco no poder molda as relações imperialistas

Autor: Geremias Dias dos Santos de Carvalho. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) e participante do projeto de extensão “Boletim Conexão SinoLatina”.

O trabalho está baseado na monografia intitulada “Um século de debates sobre a teoria marxista do imperialismo: como o bloco no poder molda as relações imperialistas”, defendida em 2024 e orientada pelo Prof. Dr. Caio Martins Bugiato.

Resumo:

Este artigo analisa cinco teóricos marxistas e suas teorias do imperialismo, defendendo a possibilidade de alternância, prevalência ou até coexistência das alianças ultraimperialistas e das rivalidades interimperialistas, a partir da correlação de forças dos blocos no poder no sistema de Estados nacionais.

As relações imperialistas e o bloco no poder 

O debate teórico sobre o imperialismo carrega um grande potencial explicativo nas Relações Internacionais que precisa ser esquematizado a fim de facilitar a compreensão, considerando a imensidão de teorias e perspectivas sobre o tema. Entende-se o imperialismo aqui a partir da sua especificidade histórica, ou seja, a emergência do modo de produção capitalista que inaugura a contemporaneidade histórica e determinadas relações sociais e econômicas lançam suas bases estruturais específicas, delineando as relações internacionais (Osório, 2018). Ainda que o debate tenha se iniciado no final do século XIX, ressalta-se que a análise do imperialismo nas relações internacionais contemporâneas é central, uma vez que os Estados capitalistas seguem em sua disputa de poder e riqueza (Bugiato, 2017). Nesse sentido, os autores marxistas, em geral, entendem o imperialismo por duas perspectivas distintas: seja como fenômeno da política externa ou como uma fase do capitalismo. Diversos autores abordaram o tema, no entanto, o presente artigo se concentra apenas no debate entre dois autores clássicos e outros dois contemporâneos, além de trazer a perspectiva única de Nicos Poulantzas sobre o Estado capitalista e o imperialismo a fim de apresentar propostas de análise complementar do tema.

O debate teórico inaugural se deu entre Vladimir Lenin (1870-1924) e Karl Kautsky (1854-1938) num contexto de rivalidades entre as potências capitalistas na passagem do século XIX para o século XX. Esse debate precursor (que conta com outros teóricos relevantes, como Rosa Luxemburgo) seguiu sendo relevante para inspirar outros marxistas a discutirem esse fenômeno particular do capitalismo. Segundo o professor Caio Bugiato (2017), Karl Kautsky apresenta o conceito de ultra-imperialismo, entendido como uma aliança entre Estados capitalistas que culmina na paz liberal. Como o imperialismo leva à guerra e destruição do capital, o ultraimperialismo seria uma mutação desse fenômeno da política externa das metrópoles: uma aliança sagrada entre os imperialistas a fim de estabilizar o sistema internacional. Esse momento de paz e desenvolvimento da democracia, segundo Kautsky, seria o momento ideal para florescer a revolução socialista. Lenin, por outro lado, observava um contexto de rivalidades e conflitos entre Estados imperialistas na fase avançada do capitalismo (capitalismo monopolista ou imperialismo). Para ele, os interesses dos capitalistas monopolistas se chocam na procura de novos espaços para aumentarem seus lucros e os desentendimentos nessa procura por novos mercados serão resolvidos, normalmente, por meio da guerra. Ele considerava esse o momento ideal para a luta dos trabalhadores contra a burguesia, a fim de instaurar o socialismo. Ainda que Lenin entendesse o ultra imperialismo como uma possibilidade teórica, o revolucionário aponta que o desenvolvimento desigual do capitalismo tende aos conflitos e antagonismos entre as classes dominantes. Bugiato (2017) conclui que existe uma possível complementaridade entre ambas as teorias e considera que elas não se anulam. O debate de Panitch-Gindin e Callinicos pode ser visto como uma atualização desse debate clássico.

Panitch e Gindin (2012) apresentam o conceito de império informal americano para justificar que o imperialismo atual é dominado pelo Estado estadunidense e o grau de integração entre as potências capitalistas impede a formação de rivalidades interimperialistas. A partir de uma leitura de Poulantzas e sua teoria do Estado capitalista, eles argumentam que o Estado estadunidense teve um papel fundamental na internacionalização do Estado, da produção e das finanças no pós-II Guerra. Através da reconstrução das potências europeias e do Japão, majoritariamente por meio de investimentos externos diretos (internacionalização das corporações modernas americanas), e dos seus respectivos Estados, os Estados Unidos consolidaram um império informal que não foi desmantelado mesmo com o neoliberalismo. A principal crítica de Panitch e Gindin sobre a tese de Lenin (resgatada por Callinicos) é que o império informal americano, ao incorporar os demais Estados avançados na cadeia, elimina a possibilidade da rivalidade interimperialista, considerada inevitável para Lenin. Por conta das intrínsecas relações econômicas e a profunda integração dos Estados capitalistas à economia estadunidense, é quase nula a possibilidade de uma guerra mundial enquanto durar o império informal (Panitch; Gindin, 2012). Callinicos (2009) aborda a teoria do imperialismo como a atual fase do desenvolvimento capitalista, apontando que Panitch e Gindin restauram a tese ultraimperialista de Kautsky. Para Callinicos, o imperialismo é uma forma específica de dominação política que gera uma unidade política ampla e expansionista, além de produzir diferenças e desigualdades (Bugiato; Berringer, 2021). Ele defende que a tese leninista da competição econômica e geopolítica não foi extinta pelo império estadunidense. A possibilidade de conflitos na tríade (Estados Unidos-União Europeia-Japão) não está descartada, considerando o desenvolvimento capitalista desigual e combinado das relações de produção no sistema de Estados. Além disso, o modo de produção capitalista precisa do sistema de Estados soberanos e múltiplos para existir e as rivalidades interimperialistas (ampliadas, em sua concepção, para competição geopolítica) são uma tendência do imperialismo, fase superior do capitalismo.

Como dito anteriormente, este artigo defende que a teoria de Estado capitalista e imperialismo de Poulantzas permite uma análise ampliada desses debates. Tanto a rivalidade imperialista de Lenin, quanto a aliança ultraimperialista de Kautsky, quanto a atualização dessas teses, são uma possibilidade, seja em coexistência ou prevalência de uma sobre a outra, ou ainda uma certa alternância em determinado espaço e tempo histórico. Pois se trata de uma disputa entre Estados imperialistas (capitalistas por excelência), no qual há espaço para mutações na forma ou no estilo de imperialismo adotado pelas classes dominantes. Segundo Poulantzas (2019) o bloco no poder é uma unidade contraditória das frações da burguesia que se reúnem em torno de objetivos gerais: a manutenção das relações de produção capitalistas. Essa manutenção representa o interesse político geral da classe dominante, não eliminando os interesses econômicos de cada classe. O bloco é fruto de uma luta de classes intraburguesa entre várias frações de classes, da qual uma desponta como hegemônica e imprime no Estado os interesses políticos de classe, e os seus interesses econômicos são tratados como prioridade pelo Estado. Nesse sentido, as relações internacionais acabam por desenvolver relações complexas entre blocos no poder das formações sociais, sejam dominantes ou dominadas (Bugiato; Hernandez, 2011). O sistema de Estados nacionais, portanto, é um sistema de blocos no poder que, através do Estado, desenvolvem relações tanto de cooperação quanto de conflito segundo os interesses da fração hegemônica no bloco. Logo, a forma do imperialismo pode sofrer mutações de acordo com o bloco no poder de cada Estado imperialista, dependendo, portanto, das diretrizes ditadas pelos capitalistas no interior de cada Estado. Consequentemente estas diretrizes extrapolam suas fronteiras, impactando as relações internacionais e dando forma ao imperialismo de determinado período histórico.

O Estado nacional, apesar da globalização e da neoliberalização, segue sendo responsável pela manutenção da coesão social em uma formação atravessada pela luta de classes. A partir do pós-guerra, o processo de internacionalização do capital (reprodução interiorizada e induzida do modo de produção capitalista nos Estados nacionais) gerou novas e complexas dinâmicas nas frações de classe burguesa em um contexto de reconstrução do capitalismo nas metrópoles imperialistas (Poulantzas, 1978). Assim sendo, a possibilidade de alternância, prevalência ou até coexistência, no espaço e no tempo, das alianças ultraimperialistas e das rivalidades interimperialistas é real, dependendo da correlação de forças dos blocos no poder nos Estados.

Bibliografia

BUGIATO, Caio; HERNANDEZ, Matheus de Carvalho. Marxismo, Poulantzas e suas contribuições para o campo de Relações Internacionais. In: Revista de Estudos Internacionais, v.2, n.2. Universidade Estadual da Paraíba, 2011.

BUGIATO, Caio. Kautsky e Lenin: imperialismo, paz e guerra nas relações internacionais. Revista Novos Rumos, [S. l.], v. 54, n. 2, 2017. DOI: 10.36311/0102-5864.2017.v54n2.05.p24. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/novosrumos/article/view/8533. Acesso em: 20 abr. 2024.

BUGIATO, Caio; BERRINGER, Tatiana. Cooperação e conflito imperialistas: Um debate teórico secular. Revista Estudos do Sul Global, v. 1, n. 1, 2021. Disponível em: https://resg.thetricontinental.org/index.php/resg/article/view/4. Acesso em: 24 de set. de 2024.

CALLINICOS, Alex. Imperialism and global political economy. Polity Press: Cambridge, 2009.

OSÓRIO, Luiz Felipe. Imperialismo, Estado e Relações Internacionais. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2018. 288p.

PANITCH, Leo; GINDIN, Sam. The making of global capitalism: the political economy of American empire. New York, London: Verso, 2012.

POULANTZAS, Nicos. As classes sociais no capitalismo hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

______. Poder político e classes sociais. Tradução Maria Leonor F. R. Loureiro. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2019.